Caros(as) colegas, aqui vai um breve relato de uma história
muito triste, e que exige providências das lideranças de saúde pública, e de
saúde indígena no Acre.
Em maio deste ano, Manoel Mateus de Lima (Murú, na língua
indígena), 25 anos de idade, da etnia Kaxinawá (Huni Kuin), após ter passado
uma semana na Terra Indígena Igarapé do Caucho, próximo à cidade de Tarauacá,
AC, na margem direita do Rio Murú, adoeceu gravemente, com sintomas parecidos
com derrame (mas não era), foi internado na UTI do Pronto Socorro em Rio Branco
já em coma, e por lá ficou cerca de uma semana, teve ligeira melhora, depois
foi transferido para a Fundação Hospitalar, saiu do coma mas, após algumas
convulsões em dias alternados, e ainda sem os movimentos de corpo nem a fala,
morreu, em 28 de maio de 2012, com parada respiratória.
A doença? Provavelmente meningo-encefalite viral.
Não era meningite bacteriana, mas também não fizeram os testes dos vírus, que
por sinal, tais testes inexistem aqui no estado. Mas é dever do sistema de
saúde providenciar estes exames com urgência, a serem enviados para
laboratórios de outros estados. Nossa suspeita de quem acompanhou o caso: certo
grau de negligência médica. Pois faltava o remédio da convulsão, faltava
antibiótico, esqueciam de dar medicação às vezes (segundo familiares que
acompanharam de perto)... Nenhum médico abraçou a causa deste índio. No sistema
de saúde pública (e às vezes, até no particular) passam turnos de revezamento
curto de vários médicos diferentes, entre formados e residentes, que vêem
dezenas de doentes por dia, por poucos minutos cada um. Quase nenhum
infectologista passou por lá. A maioria destes médicos e residentes são de
pouca idade e sem experiência na Amazônia - verdade seja dita, os melhores
profissionais, em geral, não ficam na Amazônia, pois são mal pagos e não querem
ficar longe de sua terra natal.
A doença, se tiver sido esta mesmo, é gravíssima, 70% dos
doentes morrem, e os demais ficam com graves seqüelas, de motoras a mentais
(ficam sem movimentos de pernas e braços, sem falar, com baixa atividade
mental, etc).
Pois bem, outro caso praticamente idêntico: no dia 20 de agosto
de 2012, morreu mais um índio desta mesma Terra Indígena, Valdir Perez Vieira,
Murú também, 37 anos de idade, com
os mesmos sintomas, tendo permanecido internado, primeiro no Pronto Socorro
depois na Fundação Hospitalar, por 16 dias. Também não foi feito exame de qual
vírus seria, nem tampouco de meningite. Foram feitos apelos neste sentido,
através da minha pessoa, mas não deu certo, passou o tempo, a tomografia então
acusou crânio vulnerável à colheita de amostras, nenhuma amostra foi colhida, e
o doente morreu. Não se sabe do que ele morreu. Muito provavelmente, meningo-encefalite viral.
Mas permanecemos em mistério, sem saber de fato, nos casos dos dois Murús
relatados, que mal os fez morrer, afinal.
Qual a fonte: a suspeita
maior é que seja de um arbo-vírus que às vezes ocorre na natureza, um
parente do vírus da dengue, comum em áreas
de desmatamento (desequilíbrio), e transmitido via pernilongo (carapanã) ou carrapatos (artópodes). Não existe
tratamento específico para arbo-vírus (nem remédio, nem vacina), mas existem
algumas espécies descritas na literatura, existe como aproximar uma medicação,
e até uma vacina, em caso de epidemia. Mas podem também ser outros tipos de
vírus (em raras possibilidades), como da herpes, da hepatite C, e até da gripe.
Pairou inclusive a preocupação desta doença advir da (duvidosa) vacina da gripe
que andam testando em humanos após a panacéia mal-explicada da "gripe
suína", da qual, aliás, os indígenas daqui foram dos primeiros a tomá-la
(dos primeiros cobaias), por recomendação do Ministério da Saúde.
Há uma suspeita ainda mais remota de ameba, ou bactéria, de
carne silvestre mal cozida, por exemplo, mas isto é praticamente impossível,
aliás estes índios não têm comido carne de caça nem carne infectada, e eles
possuem hábitos higiênicos e saudáveis - os conheço há tempos, só este ano
estive lá por quatro vezes. Aliás, Murú Valdir, ironicamente, era agente de
saúde desta Terra !! Eles não têm comido carne de caça porque está em escassez, porque esta Terra é altamente
impactada, é pequena em território, é muito próxima da cidade, da BR-364
recém-pavimentada e de vários vizinhos fazendeiros desmatadores, e sofre caça
ilegal de invasores, etc. Eles costumavam comer carne de boi e frango dos
açougues da cidade, e algum pouco peixe que pescam no Rio Murú, extremamente impactado
pela pesca predatória da piracema na cidade. Apesar dos problemas, essa
Terra conta com um povo "ecologicamente guerreiro", possuem diversas
ações sócio-ambientais, por meio dos agentes ambientais voluntários formados e
apoiados pelo IBAMA e agentes agro-florestais formados e apoiados pela Comissão
Pró-Índio (CPI).
Pois bem, resta
o grito urgente deste povo e de nós, seus amigos ambientalistas e
indigenistas, para que a saúde pública e a saúde indígena melhorem urgentemente
no Acre !!! Já imaginaram se todo aquele povo do Igarapé do Caucho, um povo de
700 pessoas unidas, saudáveis, extremamente organizadas, democráticas entre si,
praticantes da cultura ancestral, estudadas (há alguns na pós-graduação e
muitos formados) e numa Terra muito linda, preservada, e próspera, agora
estiver a mercê da infecção de vírus desconhecidos? Que são transmitidos
simplesmente com picada de carapanã? Que estão dando meningo-encefalite
mortífera, ou com tanta seqüela que a pessoa fica vegetando a vida toda? Duas
mortes em poucos meses, de índios adultos e saudáveis, não é coisa pouca...
Mas principalmente, aconselho a eles, e a
todos os lideranças indígenas do Acre, que cobrem muito, mas muito mais atenção
à saúde pública, e à saúde indígena.
Os dois Murús se foram, mas há todo um Rio Murú a proteger - com
várias aldeias, colônias, fazendas, ribeirinhos...
E torço para que o sistema de saúde pública melhore muito - há
muito o que melhorar, ainda que "nosso governador seja médico"...
Agradeço pela atenção, Roberta Graf, outubro de 2012.
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