A vasta maioria
dos países comunistas é culpada dos três crimes definidos no artigo 6º do
Estatuto de Nuremberg: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a
humanidade.
A discussão brasileira sobre os nossos "anos de chumbo" raramente
situa as coisas no contexto internacional da Guerra Fria, a qual alcançou seu
apogeu nos anos 60 e 70, provocando um "refluxo autoritário" no
Terceiro Mundo. Houve intervenções militares no Brasil e na Bolívia em 1964, na
Argentina em 1966, no Peru em 1968, no Equador em 1972, e no Uruguai em 1973.
Fenômeno idêntico ocorreu em outros continentes. Os militares coreanos subiram
ao governo em 1961 e adquiriram poderes ditatoriais em 1973. Houve golpes
militares na Indonésia em 1965, na Grécia em 1967 e, nesse mesmo ano, o
presidente Marcos impunha a lei marcial nas Filipinas, e Indira Gandhi
declarava um "regime de emergência". Em Taiwan e Cingapura houve
autoritarismo civil sob um partido dominante.
O grande mérito dos regimes democráticos é preservar os direitos humanos,
estigmatizando qualquer iniciativa de violá-los. Mas por lamentáveis que sejam
as violências e torturas denunciadas no "Brasil, Nunca Mais", elas
empalidecem perto das brutalidades do comunismo cubano, minudenciadas no
"Livre noir".
Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros
parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio... Enquanto
Fidel fuzilou entre 15 mil e 17 mil pessoas (sendo 10 mil só na década de 60),
o número de mortos e desaparecidos no Brasil, entre 1964 e 1979, a julgar pelos
pedidos de indenização, seria em torno de 288, segundo a Comissão de Direitos
Humanos da Câmara Federal, e de 224 casos comprovados, segundo a Comissão de
Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. O Brasil perde de longe nessa
aritmética macabra.
Em 1978, quando em nosso Congresso já se discutia a "Lei da Anistia",
havia em Cuba entre 15 mil e 20 mil prisioneiros políticos, número que declinou
para cerca de 12 mil em 1986. No ano passado, 38 anos depois da Revolução de
Sierra Maestra, ainda havia, segundo a Anistia Internacional, entre 980 e 2.500
prisioneiros políticos na ilha. Em matéria de prisões e torturas, a tecnologia
cubana era altamente sofisticada, havendo "ratoneras",
"gavetas" e "tostadoras". Registre-se um traço de
inventividade tecnológica - a tortura "merdácea", pela imersão de
prisioneiros na merda.
Não houve prisões brasileiras comparáveis a La Cabaña (onde ainda em 1982 houve
100 fuzilamentos), Boniato, Kilo 5,5 ou Pinar Del Rio. Com estranha
incongruência, artistas e intelectuais e políticos que denunciam a tortura
brasileira visitam Cuba e chegam mesmo a tecer homenagens líricas a Fidel e a
seu algoz-adjunto Che Guevara.
Este, como procurador-geral, foi comandante da prisão La Cabaña, onde, nos
primeiros meses da revolução, ocorreram 120 fuzilamentos (dos 550 confessados
por Fidel Castro), inclusive as execuções de Jesus Carreras, guerrilheiro
contra a ditadura batista, e de Sori Marin, ex-ministro da agricultura de
Fidel. Note-se que Che foi o inventor dos "campos de trabalho
coletivos", na península de Guanaha, versão cubana dos "gulags
soviéticos" e dos "campos de reeducação" do Vietnã.
A repressão comunista tem características particularmente selvagens. A
responsabilidade é "coletiva", atingindo não apenas as pessoas, mas
as famílias. É habitual o recurso a trabalhos forçados, em campos de
concentração. Não há separação carcerária, ou mesmo judicial, entre criminosos
comuns e políticos. Em Cuba, criou-se um instituto original, o da
"periculosidade pré-delitual", podendo a pessoa ser presa por mera
suspeita das autoridades, independentemente de fatos ou ações.
Causa-me infinda perplexidade, na mídia internacional e em nosso discurso
político local, a "angelização" de Fidel e Guevara e a
"satanização" de Pinochet. Isso só pode resultar de ignorância
factual ou de safadeza ideológica.
Pinochet foi ditador por 17 anos; Fidel está no poder há 39 anos. Pinochet
promoveu a abertura econômica e iniciou a redemocratização do país,
retirando-se após derrotado em plebiscito e em eleições democráticas como
senador vitalício (solução que, se imitada em Cuba, facilitaria o fim do
embargo).
Fidel considera uma obscenidade a alternância no poder, preferindo submeter a
nação cubana à miséria e à fome, para se manter ditador. Pinochet deixou a
economia chilena numa trajetória de crescimento sustentado de 6,5% ao ano.
Antes de Fidel, a economia cubana era a terceira em renda por habitante entre
os latino-americanos e hoje caiu ao nível do Haiti e da Bolívia.
O Chile exporta capitais, enquanto Fidel foi um pensionista da União Soviética
e, agora, para arranjar divisas, conta com remessas de exilados e receitas de
turismo e prostituição. Em termos de violência, o número de mortos e
desaparecidos no Chile foi estimado em 3.000, enquanto Fidel fuzilou 17 mil!
Apesar de fronteiras terrestres porosas, o Chile, com população comparável à de
Cuba e sem os tubarões do Caribe, sofreu um êxodo de apenas 30 mil chilenos,
hoje em grande parte retornados. Sob Fidel, 20% da população da ilha, ou seja,
algo que nas dimensões brasileiras seria comparável à Grande São Paulo, teve de
fugir.
Em suma, Pinochet submeteu-se à democracia e tem bom senso em economia. Fidel é
um PhD em tirania e um analfabeto em economia. O "Livre noir" nos dá
uma idéia da bestialidade de que escapamos se triunfassem os radicais de
esquerda. Lembremo-nos que, em 1963, Luiz Carlos Prestes declarava
desinibidamente que "nós os comunistas já estamos no governo, mas não
ainda no poder".
Parece-me ingenuidade histórica imaginar que, na ausência da revolução de 1964,
o Brasil manteria apenas com alguns tropeços sua normalidade democrática. A
verdade é que Jango Goulart não planejara minimamente sua sucessão, gerando
suspeitas de continuísmo. E estava exposto a ventos de radicalização de duas
origens: a radicalização sindical, que levaria à hiperinflação, e a
radicalização ideológica, pregada por Brizola e Arraes, que podia resultar em
guerra civil.
É sumamente melancólico - porém não irrealista - admitir-se que, no albor dos
anos 60, este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: "anos de
chumbo" ou "rios de sangue"...
Roberto Campos foi economista, diplomata, senador pelo PDS-MT e
ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna
na Popa" (Ed. Topbooks, 1994). Este e outros artigos podem ser encontrados
no livro de Roberto Campos, Na Virada do Milênio, ed. Topbooks, 1998.