sexta-feira, 20 de julho de 2012

Para refletir: Menino sem Infância - Por Hugo Brito.


Seu corpo ainda doía. A noite fazia-se longa. As marcas em suas costas denunciavam a falta do amor paterno. Ficariam ali, por muitos dias, confirmando a ignorância de quem está despreparado para o exercício de ser pai. Mas essas marcas sumiriam com o tempo, eram marcas físicas. A marca que o acompanharia pelo resto de sua vida, seria a fenda aguda deixada em seu coração de menino de doze anos.

Não entendia por que apanhava tanto. Fazia tudo o que ordenava seu pai: levantava-se cedo para catar latinhas e pedir dinheiro no sinal. Invejava as outras crianças de roupas brancas, sempre bem arrumadas, que todos os dias via entrar em um prédio de estrutura grande e aparência acolhedora. Certa feita, alguém lhe disse que o nome daquele lugar, tão distante de sua realidade, chamava-se escola. Queria também está ali. Queria, embora não soubesse o que lá se fazia. De certo seria melhor que voltar para casa, onde como companheira tinha apenas a ignorância e a violência constituindo o caráter daquele homem que lhe havia posto no mundo. Tinha medo. Desde quando tomara consciência da realidade lembrava-se daquela figura masculina que, embora morando na mesma casa, lhe era totalmente estranho.

E a noite continua longa. Seu corpo dói. Tantas vezes passara por isso, mas nunca conseguia se acostumar.

Ali, deitado sobre a precária cama constituída de papelão, os pensamentos de um passado que não deixou saudades dominava-o totalmente.

Não conhecera sua mãe. Esta morrera em seu parto, contavam-lhes algumas pessoas. Diziam também que foi a partir desse fato que seu pai começara a ficar dependente do álcool.

Muitas das vezes em que fora espancado, lembrava-se de seu pai culpando-o pela morte de sua mãe. Talvez por isso apanhava tanto. Talvez por isso não era amado. Talvez por isso não merecia viver. Talvez por isso não sabia o que era ser criança.

E a noite continuava longa. Agora a dor aumenta. Sozinho entre entulhos, a dor aumenta. Parece que essa surra foi maior que as outras. Por qual motivo? Talvez por ter nascido.

Em meio à dor, as lembranças continuavam a dominá-lo. Lembra-se dos natais que não vieram, dos aniversários que não comemorou, dos amigos que não teve, da infância que não deixou saudades. Era sobrevivente até essa idade porque seu pai contou com a ajuda de um anjo que morava ao lado de sua casa, mas que morrera quando ele ainda tinha seis anos, vitimada por um câncer.

Não sabia se devia agradecer ou culpar a mulher vizinha por tê-lo feito viver. Se é que aquilo merecia ser chamado de vida.

E a noite continua num compasso mais lento que o normal. Começa a se contorcer de dor. Tem vontade de gritar, mas não pode, do contrário acordaria seu pai e as consequências seriam piores. Tem que resistir calado. É mais seguro assim. Se não tivesse gastado com pães para saciar a fome de dois dias o dinheiro que conseguira no sinal, talvez não estivesse naquela situação. Mas era preciso. Não aguentava mais. Seu pai ficara irritado porque usaria o dinheiro para alimentar o seu vício alcoólico.

Será que Deus existe? Perguntava-se, se existe, por que permitia que tudo isso acontecesse? O que fez para merecer sofrer tanto sem ao menos uma interferência divina? Talvez seja realmente culpado pela morte de sua mãe. Talvez por isso seu sofrimento é alheio as divindades celestiais. Devia pagar pelo crime cometido, pensava ele.

E a dor aumenta, e a noite fica mais fria, de repente sente um abraço, uma sensação de acolhimento domina o seu ser. Mas quem é? Não importa, a dor já não existe mais.

Finalmente a noite acaba, mas o dia não chega, seu sofrimento finalmente chega ao fim.
Autor: Hugo Brito
Blog Fala Jordão

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