Tanto brasileiros quanto chilenos pagam para estudar na universidade pública.
Brasileiros pagam de forma indireta —o custo está embutido no imposto de remédios, produtos do mercado, da gasolina. Todos pagam, inclusive aqueles que jamais pisarão numa universidade. No Chile, o pagamento é direto: quem estuda tem mensalidades a quitar, e a conta é menor para o resto da sociedade.
O curioso é que, por aqui, a universidade parece gratuita. O custo de universidades caras e ineficientes é disperso e oculto, dividido entre toda a população, enquanto o benefício é visível e concentrado. Difícil resistir a aquilo que parece grátis.
O economista Dan Ariely dedicou um capítulo inteiro do livro "Previsivelmente Irracional" para essa tentação humana a coisas supostamente gratuitas. O título do capítulo diz tudo: "O custo do custo zero: por que com frequência pagamos demais quando não pagamos nada".
Em seus experimentos, Ariely
descobriu que a maioria das pessoas prefere coisas grátis mesmo diante de
custos de oportunidade maiores. Entre ganhar um vale-presente de 10 dólares, e
comprar por 7 dólares um vale-presente de 20 dólares, a segunda opção é mais
racional, pois resulta num ganho de 13 dólares. Mas a maioria dos participantes
dos estudos fica com a primeira.
A vitória da extrema esquerda na eleição deste fim de semana mostra que o Chile está sucumbindo à mesma tentação do almoço grátis. Os chilenos estão cansados de pagar por saúde e para estudar na universidade. Elegeram um político que segue a velha tradição populista de oferecer muitas coisas de graça.
Na prática, o que Gabriel Boric vai fazer é embutir o custo dessa gratuidade em impostos. Difícil acreditar que só os ricos serão afetados pelo aumento da carga tributária, como ele promete. Impostos maiores, mesmo só para os ricos, resultam em menor poupança interna, menos investimentos, mais fuga de capitais, menos vagas de trabalho —e isso afeta a sociedade inteira.
No Brasil, é altíssimo o custo
das gratuidades impostas pela carta para o Papai Noel que chamamos de
Constituição de 1988. O Estado tem tantas obrigações constitucionais a cumprir
que não consegue cortar custos e reduzir sua dívida –e assim estrangula toda a
economia.
Como mostraram os economistas Jeferson Bittencourt e Bruno Funchal num estudo publicado na semana passada pelo Instituto Millenium, a dívida pública é uma maldição para um país. Se a poupança do setor público é negativa, a poupança interna diminui: sobram menos recursos para investir em obras, inovações ou negócios que abririam vagas de trabalho. A possibilidade de uma crise fiscal espanta investidores estrangeiros.
Há ainda o efeito "crowding out": quem precisa de dinheiro emprestado tem de competir com o Estado, um gigantesco tomador de empréstimos: Com maior demanda por crédito, o custo do dinheiro sobe.
"Tal competição aumenta a taxa de juros, de maneira geral, expulsando projetos privados das opções de financiamento, via custo de capital mais alto, o que prejudica especialmente a inovação e a produtividade futura", dizem os economistas.
Quem realmente se importa com
os pobres deveria defender histericamente a redução da dívida pública, para que
ela deixe de emperrar o crescimento da economia. O problema é que isso não
rende votos nem likes. É muito mais fácil conquistar as pessoas oferecendo tudo
grátis e vendendo a ilusão de que só os ricos pagarão a conta."
Por Leandro Narloch