Nas democracias
avançadas, frentes suprapartidárias costumam ser formadas quando ameaças
domésticas ou externas colocam em risco o futuro da nação. As principais
correntes suspendem a sequência de confrontos e se unem no combate ao inimigo
comum. No Brasil, a formação de um ajuntamento de siglas é quase sempre o
prelúdio de mais uma bandalheira extraordinariamente lucrativa. Os partidos se
agrupam para que os políticos metam a mão mais facilmente no bolso de eleitores
indefesos. Foi o aconteceu neste começo de dezembro no Congresso Nacional.
Decididos a
aumentar o tamanho do fundão eleitoral — Fundo Especial de Financiamento de
Campanha, segundo a certidão de batismo — deputados e senadores arquivaram
antigas desavenças por algumas horas. Com a harmonia ansiosa de casal em lua de
mel, parlamentares do PT e do PSDB, do DEM e do PCdoB, do PSL e do PDT e outros
parceiros improváveis rejeitaram no plenário um veto do presidente Jair
Bolsonaro e depois, na Comissão Mista de Orçamento da Câmara, elevaram a
gastança prevista para 2020 de R$ 2 bilhões para R$ 3,8 bilhões.
"Não existe
dinheiro público; existe o dinheiro dos pagadores de impostos", ensinou a
primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher. Cumpre ao Executivo, ao
Legislativo e ao Judiciário administrar com sensatez e eficácia o que a pesada
carga tributária arranca dos cidadãos comuns. Na semana passada, a maioria do
Congresso reafirmou que não sabe disso. Ou finge que não sabe — o que dá na
mesma. Se tivessem algum pudor, o bando de representantes do povo não teria
duplicado uma quantia já obscena com o confisco de verbas reservadas a áreas
infinitamente mais relevantes.
Três setores
foram especialmente desidratados pelos gestores de picadeiro: saúde (R$ 500
milhões), educação (R$ 280 milhões) e infraestrutura (R$ 380 milhões). A
terceira área alcançada pela sangria terá de reduzir o ritmo da construção de
moradias populares e da expansão da raquítica rede de saneamento básico. Muita
canalhice e pouca vergonha — eis o binômio que resume o criminoso transplante
orçamentário urdido nas catacumbas do Poder Legislativo.
Parido em 2017, o
fundão que nem deveria ter nascido vai financiar pela primeira vez a campanha
de candidatos a prefeito ou vereador. Essa espécie de disputa sempre foi bem
mais barata que a que elege num único pleito o presidente da República,
senadores, governadores, deputados federais e deputados estaduais. Ficou ainda
menos onerosa com o sumiço dos comícios e showmícios, substituídos por reuniões
com grupos de eleitores e, sobretudo, pelo uso crescente das redes sociais. Se
a despesa caiu, por que dobrar a conta espetada no lombo dos brasileiros?
Quais foram os
cálculos que resultaram nos R$ 3,8 bilhões? Como será repartido o produto do
roubo? A distribuição será feita pelos diretórios nacionais ou estaduais? Os
deputados conseguirão engordar a bolada remetida a seus currais? As fatias
destinadas a cada município serão medidas pelo número de habitantes ou de
eleitores? Essas e outras perguntas afligem tanto os candidatos quanto os que
vão bancar o desperdício bilionário. Até agora, todos ignoram as respostas.
O Brasil decente
só sabe que, seja qual for o resultado das eleições, muitos donos de partido
ficarão bem mais ricos em 2020. Nada como um ano eleitoral a cada dois.